Artigo publicado no site Jota, em 26.05.2015 (Acesse aqui)

Assim o senador começou, na sabatina, a questionar o candidato ao Supremo. E foi mais longe. Disse ser necessário ter gosto pelo trabalho para ser Ministro do Supremo. Ou seja, o chamou de preguiçoso.

O candidato não se intimidou. Não fez por menos. Rebateu: “O senador deve desconhecer, mas a nossa animosidade vem de muito antes”.

Evidentemente que não se trata da sabatina do Ministro Edson Fachin. Não se foi a tão longe. Trata-se da sabatina do candidato Sepúlveda Pertence em 1989, na mesma Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Agora revelada em seu depoimento ao projeto de História Oral da FGV Direito Rio.

Recordou dos tempos de movimento estudantil como dirigente da UNE e continuou:

“Até um dos pesares que tenho, desta época de estudante, é que, estando na Europa, eu não pude comparecer ao enterro de Sua Excelência promovido pela UNE. Então não me espanta, talvez espante a Sua Excelência, tanta animosidade na sua pergunta, porque tem plena razão em não gostar de mim”.

O senador que o questionava era Roberto Campos, ex-ministro do governo militar.

Pertence fora aposentado do Ministério Público por decisão da Junta militar, com base no AI-5. Roberto Campos era todo poderoso ministro do planejamento.

Estavam em campos políticos opostos. Muito opostos. Não espanta, pois, este diálogo. Previsível. Eram adversários. Pertence não contemporizou. Nem buscou o voto de Campos. Enfrentou de frente. O passado o obrigava a tanto .

Quando Pertence fora Procurador-Geral de República no governo José Sarney, Roberto Campos alegou a inconstitucionalidade da Lei de Informática que o Ministro Renato Archer, e Luciano Coutinho, seu secretário geral, tinham feito aprovar no Congresso.

Naquela época, o Procurador-Geral tinha o poder de encaminhar ou engavetar ações de inconstitucionalidade. Prevalecia, na Constituição de 1969, este dispositivo autoritário. O Procurador era uma espécie de leão de chácara do Supremo. Manietado. Só nele entrava, quem ele, Pertence, permitisse. Era o gatekeeper, como dizem os americanos. O segurança do Supremo, dir-se-ia hoje.

Foi período de tempos complexos. Um tempo de intervalos entre a redemocratização, que com a eleição de Tancredo Neves já caminhava, e a nova constitucionalização, que ainda não chegara. A realidade político já democratizante. As leis ainda autoritárias.

Havia, porém, um informal consenso, incluindo o Ministério da Justiça com Fernando Lyra, do qual participavam Pertence, Marcelo Cerqueira, José Paulo Cavalcanti, Técio Lins e Silva, Cristóvão Buarque, eu, e tantos outros, de que não se usaria mais a legislação autoritária mesmo em vigor. Ou seja, Pertence teria que encaminhar a ação de inconstitucionalidade proposta por Campos.

Ocorre que Pertence era ideologicamente contra o pedido de Roberto Campos. Como encaminhar ao Supremo uma inconstitucionalidade da qual ele não estava convencido? Usar da legislação autoritária e barrar? A redemocratização teria de esperar? Xeque-mate.

Quase Xeque-mate.

É bom não esquecer que Pertence é mestre das Minas Gerais. Sua solução, narrada no seu depoimentos à FGV, é aula de política mineira.

O que fez ele? Simplesmente encaminhou o pedido de inconstitucionalidade de Roberto Campos ao Supremo. Não usou da competência autoritária para lhe impedir acesso. Mas encaminhou com pequeno detalhe. Dizendo que ele era contra a própria inconstitucionalidade que solicitava! Paradoxo pertenciano.

Em suma. Temos ainda muito que aprender. Nada é obvio, para um mineiro. Sobretudo, advogado mineiro.