Publicado na Revista Tribuna do Advogado, Dez/2014/Jan/2015- Número 544

por Joaquim Falcão e Adriana Lacombe Coiro 
A Constituição de 1988 garante a todos o acesso à Justiça. A possibilidade de se recorrer ao Judiciário é inafastável. A esses direitos, a Emenda Constitucional 45 somou o direito à razoável duração do processo. Como efetivar todos? Garantir um Poder Judiciário não apenas presente e atuante, mas eficaz e eficiente?
Há muitas respostas. Muitas reformas possíveis. A primeira está presente na própria Emenda 45: a reforma processual. Busca-se alterar o Judiciário através da mudança de leis. Foi o que foi feito com a criação das súmulas vinculantes e da repercussão geral. É também o que se faz ao criar-se um novo recurso, o Agravo em Recurso Extraordinário. Ou ao se alterar o Regimento Interno, como fez recentemente o Supremo ao transferir para as turmas a competência de julgar ações penais originárias.
A segunda forma de mudar o Judiciário é através de reformas de gestão. Através de procedimentos gerenciais internos, como treinamento de pessoal dentro dos tribunais. Ou pelas partes, com a mudança de práticas processuais. Foi o que fez a Caixa Econômica Federal, que alterou recentemente sua política de recursos ao Supremo. Como consequência, houve uma queda de mais de 80% no número de recursos novos da empresa no biênio 2007-2009.
Mas há ainda uma terceira resposta: a reforma tecnológica. Trata-se da informatização da administração do tribunal. Da instituição do processo judicial eletrônico. E, principalmente, do uso de inteligência estratégica. Do uso de big data. Analisa-se um enorme volume de dados em escala tal, apenas possível no Século 21. É aqui que se insere o projeto Supremo em números, da FGV Direito Rio. Com um banco de dados formado por todos os processos e andamentos que passaram pelo STF entre 1988 e 2013, é possível entender como funciona a corte. A partir daí, pode-se traçar diagnósticos e cenários que fundamentem decisões gerenciais e estratégias mais eficientes para a realidade atual.
São 1,5 milhão de processos, 15 milhões de andamentos, 2,6 milhões de partes. Quais os diagnósticos mais importantes até agora?
Primeiro, viu-se que o Supremo é muito mais uma corte recursal do que uma corte constitucional. Isso porque, enquanto os processos de controle abstrato de constitucionalidade – ADIns, ADCs, ADOs – representaram apenas 0,5% dos processos julgados pelo tribunal entre 1988 e 2009, os recursos representavam 91,69% (o restante é representado pela corte ordinária, composta de processos que têm o Supremo como originário, como ações penais com foro privilegiado).
Viu-se também que o STF é uma corte monocrática, muito mais do que uma colegiada. Entre 2008 e 2014, por exemplo, mais de 85% das decisões foram proferidas por um só ministro.
Outro destaque: o maior usuário do Supremo é o poder público, em especial o Poder Executivo federal, maior litigante em 2013. Dentre os 12 maiores litigantes entre 1988 e 2009, apenas um não é do setor público.
Mas essa realidade, em que poucos protagonizavam a maior parte dos processos do Supremo, começa a mudar. Se em 2007 os 10 maiores litigantes representavam 63% da pauta, em 2009 este número caiu para 24%. É este um dos resultados da Emenda 45.
Já quando se olha para os estados brasileiros, vê-se que alguns levam muito mais ações ao STF do que outros. Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul dão origem, cada um, a mais de 10% dos processos que alcançam a instância máxima.
Após levantar estes e outros dados, o Supremo em números analisou recentemente um novo fator: o tempo. O tempo médio que o tribunal, e cada ministro, levam para decidir uma liminar. A duração média das ações diretas de inconstitucionalidade quando se adota o rito do artigo 12 da Lei 9.868, supostamente uma forma de se acelerar o processo. Quanto leva a publicação de acórdãos, e a devolução de pedidos de vista.
Os dados estão no terceiro relatório do projeto, publicado em setembro deste ano. Dele podem ser retiradas algumas conclusões, sendo duas principais.
Primeiro, o Supremo não cumpre seus próprios prazos. Há artigos específicos no Regimento Interno da corte estabelecendo que os acórdãos devem ser publicados 60 dias após a sessão de julgamento. Na prática, a média de tempo é de 167 dias para a publicação, número que sobe para 1,3 ano em revisões criminais.
Outro artigo do regimento dispõe que pedidos de vista devem ser devolvidos em até 20 dias. Apesar disso, quase 80% deles são devolvidos depois do prazo. No caso das ADIs, após uma média de 1,2 ano. Os prazos nitidamente não são observados.
A segunda conclusão é que o tempo de um processo depende, em grande medida, da atuação individual de cada ministro. Não há procedimentos padronizados para os gabinetes. Cada magistrado se organiza de uma forma. Como resultado, há os que proferem decisões liminares muito mais rápido do que outros, que por sua vez são mais rápidos na publicação de acórdãos, ou na devolução de pedidos de vista.
Assim, enquanto o ministro Luiz Fux leva uma média de 72 dias para proferir uma decisão liminar, Teori Zavascki leva apenas 15. Viu-se que Nelson Jobim, aposentado, tem a maior média de duração de pedidos de vista, seguido pela ministra Cármen Lúcia. Que a média de tempo de conclusão de um processo quando Roberto Barroso é o relator é de 40 dias, mas quando o relator era Joaquim Barbosa, este número subia para 283. Que Celso de Mello demora uma média de 679 dias para publicar os acórdãos sob sua relatoria, enquanto Luiz Fux, 41. O tempo varia muito, de ministro para ministro.
Mudanças na lei não são a única forma de tornar o Judiciário mais eficiente. A análise da inteligência estratégica das cortes, de seus dados, os números de seu funcionamento são fundamentais para traçar o rumo a ser seguido. A partir destas informações o Supremo pode adotar novos caminhos para afastar a morosidade e garantir a razoável duração do processo. Direito de todos, garantido pela Constituição. Quais serão eles?