Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 10.11.2014 (Acesse aqui)

São uma tentativa de golpe branco as articulações envolvendo membros do Supremo Tribunal Federal e do Congresso para logo aprovar a Proposta de Emenda à Constituição PEC 457/05 –a chamada PEC da Bengala–, prorrogando de 70 para 75 anos a idade para aposentadoria compulsória de ministros do Supremo, e tentando retirar da presidente Dilma e dos senadores, o poder de indicar novos ministros.

Se não é um golpe branco na forma, é na substância. É uso inconstitucional da forma constitucional. Não seria se defendessem a mudança constitucional só para novos ministros a serem indicados.

Por trás das articulações estaria o temor da aparelhagem do Supremo pelo PT. O que, se ocorrer, será outro golpe branco. Ou então é apenas uma tentativa antidemocrática para intimidar a presidente Dilma Rousseff nas novas indicações.

Nossa história recente demonstra que é possível que alguns ministros e partidários ex-membros de governos, arvorem-se em defensores judiciais de quem os indicou. É possível, mas não é comum. Felizmente não tem sido a regra.

Poder Judiciário não dá golpes. Nem ministros têm saído da corte como partidários e parciais.

Não existe causalidade necessária entre o presidente que indicou, o Senado que aprovou e o conteúdo do voto do ministro em casos de interesse do governo. O compromisso da imparcialidade do cargo tem pesado mais do que intencionais afinidades eletivas e partidárias.

Foi o que demonstrou o caso do mensalão. Houve quem tentasse, no início do julgamento, prever decisões só olhando para as indicações. Sem sucesso.

Não devemos apagar o traço político democrático da indicação. Mas, o que o país precisa é de ministros nítidos, mesmo que divergentes. Como o foram Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, ambos indicados por Lula.

A PEC da Bengala tem sido justificada por dois argumentos.

Hoje ninguém seria velho com 70 anos, o que é verdade. Mas nossa Constituição não estabeleceu a condição física ou mental do magistrado como critério de mandato. Nem determinou, como a americana, a permanência no cargo até a morte. Aliás, recusamos a vitaliciedade sem limites que estava na Constituição de 1891.

Alternância no poder é princípio que serve para presidente, Congresso e Judiciário também. Cada instituição com seus mecanismos próprios. A pergunta de hoje é oposta: o Brasil precisa de ministros que fiquem mais de 30 anos no poder?

A média de permanência nos últimos dez anos dos ministros nos EUA é de cerca de 20 anos. Na Noruega e na Nova Zelândia, de aproximadamente 15 anos. No México, antes de mandatos de 15 anos, a média era de cerca de dez. A democracia caminha na direção oposta à prorrogação de qualquer mandato.

Haveria também argumentam, a necessidade de força contramajoritária no Supremo, que colocaria limites a eventuais abusos de ministros majoritários contra minoritários.

Forças contramajoritárias são necessárias na democracia. Mas no Supremo devem ser exercidas apenas diante do caso concreto de abuso dos direitos fundamentais das minorias pela maioria. E limitada aos autos. Não é o caso.

Por trás de tudo está a atual configuração de multicompetências do Supremo. Nela, o principal usuário é o governo, que de 1988 a 2013 é parte em 63% dos casos. Cada um deles é fonte de potencial conflito institucional.

O Supremo deve caminhar para ser corte constitucional exclusiva, cujas decisões tenham impacto a longo prazo, e não a cada minuto, mantendo o país em suspenso.

Enquanto a corte constitucional exclusiva não vem, pode-se aperfeiçoar o processo de indicação dos ministros. A responsabilidade é da presidente e do Senado. A indicação deve ser bem fundamentada. O processo, mais debatido, por políticos, imprensa e sociedade civil. O Senado exercitando sua independência. Os candidatos informando os contatos políticos que levaram à indicação e os casos em que estariam impedidos de votar.

Uma elite no Judiciário e no Congresso parece não querer aceitar o resultado das urnas. Nessas articulações há nítido som de casuísmo no ar.